Textos Apêndices

I. A FÁBULA DE TABATINGA

Inspirado nos contos de Dona Francisca…

Para além daquelas matas vivia uma tribo
O chefe da tribo, um bravo guerreiro, tinha uma única filha
Bela e brincalhona, ela era a felicidade de todos
Mas o seu pai a repreendia por seu gosto por aventuras
Escutava dos anciãos lendas de um riacho para além do desconhecido
Em que se poderia escutar o som do luar
A indiazinha sonhava em escutar o som do luar
Mas o seu pai a proibia, a mata é um lugar perigoso
E que se o desobedecesse, se perderia e nunca encontraria o caminho de casa
Mas a curiosidade da indiazinha foi maior
E na lua cheia saiu escondida a procura do riacho mágico
Veio a noite e ela não retornou
Os homens da tribo a procuraram por dias, meses, até anos
O seu pai nunca mais sorriu
Dizem que ela encontrou o riacho e finalmente escutou o som do luar
Dizem que, na procura pelo caminho de casa, foi parar no mar
E na praia viveu seus últimos dias

II. A ANGÚSTIA DE ELISABETE

Como explicar a saudade?
“Te extraño”, estranho.
Eu não conseguiria explicar a uma criança.
Que sentimento é este que não consigo explicar em nenhuma língua?
O que será isto?
Não é uma palavra, não é uma ação.
Não é uma ideia, não é um pensamento.

Eu forjava situações para me fazer esquecer.
Mas a cada respiração, onde eu ia, você estava.
Imutável, quieta. Como um zumbido constante.
Cair e nunca chegar.

Argila que se transforma em pedra.
Tudo endurece.

Eu lembro dos dias que acordava cedo.
E saia sem ninguém me notar.
Lembro que os caminhos eram mais longos.
E das mensagens que ia encontrar.

Quando realmente fui embora daqui?

Minha paz.
Só tu me acolhias em teu sorriso.

Tu me buscavas.
Agora onde te busco?
Onde realmente te alcanço?
Você me entende de verdade?
O que será o que eu não sei?
Como transformar o que não se compreende?

Esta serenidade, este calor.
Sempre tão presente.
Seu olhar guarda a mesma alegria.
O mesmo amor.
Mas por que me falta?

Saudade.
Um lugar de sempre verão.
Saudade.

Cecilia Retamoza & Edson Lemos Akatoy

III. A CARTA DE DANIELA

Por que eu não fui? E se eu tivesse ido? E se eu não tivesse ficado?

Posso fechar os olhos e descrever cada cenário deste lugar que foi mudando e, no entanto, eu permaneci.

A nossa infância de fantasia misturada à natureza. Da areia fazíamos castelos. Éramos princesas, espiãs, mães. Tínhamos a casa dos nossos sonhos. A sua casa era enorme e quando entrei após um tempo de sua partida, quando cresci, me dei conta de que gigante era a nossa imaginação e capacidade de sonhar.

Acharíamos uma botija, seríamos ricas, poderíamos viajar para onde quiséssemos, veríamos o inverno e a neve.

A cada veraneio escolhíamos o menino por quem nos apaixonaríamos e após dois ou três dias de convivência lá estávamos fazendo planos para os nossos casamentos.

Um sentimento tão intenso que durava até as férias acabarem e até a nossa memória não conseguir reconstituir mais a imagem deles. Lutávamos para fazer durar a lembrança, mas chegava uma hora que não sabíamos se era nossa imaginação ou a fisionomia real. E então a imagem se dissipava como a paixão. E esperávamos o outro veraneio para gostar de outro menino. E pensávamos que não seria como o passado, e sempre era mais arrebatador.

I don´t want to set the world on fire. I just want to start a flame in your heart.

Quantas lágrimas sem saber o que o mundo nos reservava.

Nossos caminhos não dariam no mesmo lugar. Que rumo a nossa vida tomou? Você é outra. O que restou? O que te atravessou?

Como é na cidade grande? Como as pessoas conseguem fazer tantas coisas sem pensar sobre elas? Há uma hora que você para de pensar e apenas age? Você sentiu falta da facilidade de ser? Viver pra gente era fácil. Nada nos faltava, contudo, não me impede de sentir um enorme vazio no presente.

Falávamos por horas, fazíamos muitos planos. Viajar, namorar, casar, cada passo em direção ao futuro de nossa fantasia seria um grande acontecimento. Tínhamos a trilha sonora, as vestes, os penteados, as paisagens. Você fez tudo primeiro, mas não pudemos confirmar ou negar nossas expectativas. O que você fez com o nosso futuro?

Eu não vivi, eu permaneci. Minhas vivências foram através dos outros, das histórias dos outros. E a história principal que seria dividida com a minha, dela não pude compartilhar.

Só sabia agir perto de você. A condição de tudo era poder te ver em seguida. Passei alguns anos esperando você voltar. Até que aprendi a te substituir na minha memória… Você se tornou o próprio passado. A sua partida decretou o fim da nossa infância. Com a sua mudança eu compreendi que uma nova fase estava pra acontecer, mas teria que seguir sozinha sem uma parte essencial de mim.

Os acontecimentos inexplicáveis que antecederam sua partida mudaram todo o rumo do que tínhamos. Tive uma febre que durou semanas.

Tentei escrever cartas, mas percebia de imediato o quanto eram ridículas. Passava a frente da sua casa, via Francisca, mas ela também já não era a mesma, nada era igual, um muro foi construído entre a nossa história.

Eu me perdi.

Bruna Belmont

IV. A HORA E A VEZ DE JÚLIA

Às 6h da manhã o despertador toca. Quase sem pensar, abre o chuveiro e entra de cabeça na água morna. Suavemente fecha os olhos.

Se dependesse dela, aquele momento duraria o dia inteiro. A água escorrendo pelos fios de cabelo, encontrando seus seios, indo em direção ao pé como pequenas cascatas de água e sonhos.

Sempre se enxugava olhando-se no espelho, pensando qual roupa vestiria para mais um dia de trabalho. Mas nesta manhã ela só conseguia pensar em outra vida, uma vida que não era a dela. Ela sonhava.

Comeu alguma coisa que nem olhou direito e seguiu a passos mecânicos para a garagem. Entrou no seu carro, olhou-se no retrovisor como quem estava se despedindo.

Pegando a estrada, dirigiu durante horas uma longa estrada mental que parecia dar no seu destino.

Mas acabou chegando num prédio alto de janelas espelhadas, onde entravam e saíam pessoas todo o tempo. Respirou fundo e sem dar jeito no cabelo, desceu do automóvel. Olhou para o céu um tempo imensurável até alguém chamá-la em voz alta:

– JÚÚÚÚÚÚÚLIAAAAA! Vamos ou você perde a reunião!

O coração palpitou e com um sorriso que não era seu, acenou avisando que já estava indo. Com o mesmo sorriso encarou os colegas na sala de reuniões. Sentou-se calada e assim seguiu. Silenciosa, rabiscando papeis.

Ouviu um burburinho que vinha da sala do café. Alguns colegas comentando sobre uma diretora da revista concorrente que há poucos dias tinha largado tudo para viver um amor.

Alguns falavam de sua loucura, bobagem, burrice. O amor pra eles era algo passageiro, secundário, “melhor estar com dinheiro no bolso e coração vazio, do que o contrário”, disse o mais baixinho.

Mas alguns susurravam sua coragem, sua determinação e vontade de viver.

Júlia apoiou-se na parede do corredor sem conseguir dar uma palavra.

Cecília Cunha

V. O LAMENTO DE MARIANA

Elisabete, mi cariño
Hace tiempo que intento hablarte
Pero… no sé
No encontré palabras para decirte lo que siento

Niña, tengo tantos recuerdos tuyos
En tu niñez, tus ojos, tan guapos, tu mirada
E yo me quedaba lejos de ti, en silencio
E tu me procurabas, pues, necesitabas de una madre

Elisabete, perdón, perdón
Yo no fue, una buena madre
Yo sé, pero quiero que sepas lo cuanto te quiero
Mas hija, la muerte de tu papa…
He cambiando toda nuestra vida
E yo perdi las ganas de vivir
E non conseguí percebe que necesitabas de tu madre
De una amiga, de alguien

Dios levo tu padre, mas me dio un regalo
Tu Elisabete, mi niña, mi amor
Perdón, y que puede ler
Esta carta es que intentes entender

Challena Barros

VI. A SERENATA DA LUA

Quando te vi minguante
Eu pude te enxergar
Eu pude te entender
Eu pude te sentir
Eu pude te amar
Mas eu não posso te tocar
Pois você lá no alto é o bem mais precioso deste mundo
E me amedronta a remota possibilidade de corromper isto
O que me impede de te alcançar
E inevitavelmente te machucar
Pois o amor maior é assim
Ainda que me esqueça, ou eu esqueça
Por um momento que vivi minguante
Eu lembrei de ti

Edson Lemos Akatoy

VII. A ESTRANGEIRA

Cuando un alma cariñosa visita un pasado. Que perdió hace tiempo.
Sabe que mucho ha cambiado. Teme enfrentar el silencio.
Saca a bailar a sus fantasmas, al son del mar.
Y con coraje encucha al viento hablar.

Um dia eu me vi na rua tirando a saudade pra dançar.
As sombras desenhavam mil recordações.
E então me vi além do muro que o tempo construiu.

Eu me vi criança em outro lugar. Minha cidade.
Chamei meus fantasmas pra conversar. O que mudou em mim?
Foi na minha casa, na sala de estar. Meu quarto, um jardim.
Eu perdi, me ajudem a procurar o que mudou em mim.

Vuelve a jugar conmigo, María, que sin ti, no sé vivir.
Reír, cantar, un velero en el mar que se pierde a la deriva.

Erick de Almeida & Marta Sanchís Clemente