Entrevista com Edson Lemos Akatoy
Suyene Correia, 21 de abril de 2019
O primeiro longa-metragem do jovem paraibano Edson Lemos Akatoy, intitulado Estrangeiro tem acumulado prêmios nos festivais nacionais e internacionais por onde passa. O mais recente foi na categoria Melhor Filme e Melhor Direção de Fotografia no Festival de Cinema Independente de Swindon, na Inglaterra, encerrado na última quinta-feira.
Outros prêmios importantes conquistados pelo filme foram: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Fotografia no Festival de Cinema de Pedra Azul, no Espírito Santo; Melhor Fotografia no Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, na Paraíba; Melhor Atriz, Ator, Direção de Arte e Trilha Sonora no Festival Audiovisual Comunicurtas, também na Paraíba e o Iguana Dourada Melhor Filme e Melhor Fotografia no Festival de Cinema de Guayaquil, no Equador.
Tive a oportunidade de assistir a Estrangeiro na 13a edição do Festival Aruanda, ocorrido em dezembro, do ano passado, ocasião em que fiz parte do júri da Mostra Paraibana Sob o Céu Nordestino e premiamos (eu, Kátia Mesel e Marília Franco) esse filme na categoria Melhor Direção de Fotografia.
Confesso que demorei alguns minutos para ser “fisgada” pela película, por conta da simbologia utilizada com a história da índia Tabatinga. Estrangeiro centra-se no drama vivido pela protagonista Elisabete (Cecilia Retamoza), uma jovem que viveu sua infância na paradisíaca praia de Tabatinga (PB) e que devido a um misterioso trauma no passado, decidiu abandonar seu lar e nunca mais permaneceu em um só lugar. Aos trinta anos, Elisabete anseia por uma identidade. Ela não se sente confortável em sua própria pele, uma estrangeira em seu mundo. Decide, então, retornar à casa da infância- após uma conexão estendida de seu voo- e rememorar suas lembranças, encontrar-se consigo mesma.
Narrativamente e esteticamente, Estrangeiro flerta com o cinema de Terrence Malick, a exemplo de Amor Pleno (2012). A fluidez com que a câmera explora a natureza e acompanha os personagens, a narração em off , o quebra-cabeça imagético, a trilha hipnótica, a fotografia arrebatadora, os cortes precisos. É um filme poético, sensorial, que nos leva a redimensionar o sentido das palavras: tempo, saudade e lembrança. E que tem na figura da atriz mexicana Cecilia Retamoza, um de seus grandes trunfos.
Experiente atriz de teatro, Cecilia também enveredou pelo cinema, antes de retornar ao México. “Estrangeiro”, inclusive, foi seu último trabalho no cinema brasileiro, antes de voltar à cidade natal. Talvez, esse momento de transição na vida da atriz, tenha contribuído ainda mais para sua excelente perfomance. O olhar feminino dominante na trama, deu-se pela contribuição do elenco, majoritariamente, feminino e pelas duas diretoras de fotografia Julia Sartori e Charliane Rodrigues, que dividiram a câmera com Raphael Aragão.
Há de se destacar também o trabalho de Bruna Belmont que interpreta Daniela e faz um contraponto na medida com sua amiga de infância, além da trilha sonora assinada por Luã Brito e Felipe Lins.
Edson Lemos Akatoy já acumula quatro curtas (Horizontes Salinas (2014), O Cão (2015) , Quero Fazer Um Filme Para Inscrever em Festival (2015) e Esquadros (2017) e um longa, no currículo. Atualmente, cursa o Mestrado Interdisciplinar em Cinema pela Universidade Federal de Sergipe.
Fale-me um pouco sobre sua escolha por fazer cinema e como surgiu a ideia de Estrangeiro.
Minha escolha em fazer cinema foi um pouco ao acaso. Em 2012, eu me sentia “perdido”. Cursava Ciência da Computação, mas não estava feliz. Foi quando soube da abertura do curso de cinema na UFPB. Até então eu não pensava que cinema fosse verdadeiramente uma opção profissional na minha vida. Aliás, pouco entendia das “engrenagens” de uma produção cinematográfica.
Neste sentido, Estrangeiro pode ser considerado semi biográfico. O filme absorveu muito das minhas dúvidas e angústias e fazê-lo também foi uma terapia para mim. Ajudou-me a enxergar o mundo com outros olhos e seus problemas também. Todos nós temos as nossas dúvidas, os nossos medos.
Eu vejo referências de alguns filmes/cineastas no seu longa-metragem. Talvez, Amor Pleno de Terrence Malick seja uma das principais. Gostaria que você dissesse quais diretores ou filmes influenciaram esse seu trabalho em longa-metragem, seja narrativamente ou esteticamente.
Terrence Malick, sem sombra de dúvidas, foi minha maior inspiração. Seus filmes trazem uma abordagem narrativa e estética que enaltecem uma conexão espiritual e transcendental do ser humano com a natureza e com a fé, algo que, além de um certo mistério, eu busquei em “Estrangeiro”.
A ópera de Wagner “Parsifal”, que toca no filme, também encerra Amor Pleno. É praticamente uma reverência ao diretor que muito me ensinou na feitura do meu primeiro longa. Mas outros diretores também me influenciaram, alguns deles eu tive contato somente no curso de cinema. O iraniano Abbas Kiarostami ensinou a não me preocupar se o filme toma caminhos inesperados durante sua produção.
O mesmo vale, segundo a francesa Claire Denis, para a pós-produção. Para ela, o filme só se cria, verdadeiramente, na ilha de edição. Já alguns diretores me influenciaram na temática. A japonesa Naomi Kawase me ajudou a captar a essência de paz e tranquilidade da natureza e a olhar para ela com respeito. O soviético Andrei Tarkovsky a quebrar a noção de linearidade passado e presente, sobretudo quando tratamos de memórias, e o brasileiro Walter Salles a buscar um olhar nostálgico e de saudade sobre as imagens.
A propósito, fale-me sobre os curtas que você realizou. Foram produções atreladas a disciplinas no curso de Cinema da UFPB?
Antes de Estrangeiro, eu realizei quatro curtas-metragens entre 2014 e 2017, alguns ligados a disciplinas do curso de cinema da UFPB e outros não. O meu primeiro filme se chama Horizonte Salinas, um documentário para a cadeira de metodologia sobre a educação. Eu captei a realidade de crianças e professores de uma escola de ensino primário em uma comunidade de risco na periferia de João Pessoa. Por este contexto, eu só obtive permissão para mostrar o trabalho dentro de sala de aula, o filme nunca circulou em festivais.
Depois eu realizei outros três curtas experimentais. Eu vejo no filme experimental uma forma verdadeiramente pedagógica e metalinguística de aprender cinema. Estrangeiro seria o meu quinto curta-metragem, o primeiro com uma narrativa mais clássica, porém a ideia se desenvolveu e eu decidi arriscar um longa-metragem. Foram três anos de muito trabalho até o corte final.
Como foi a escolha das atrizes principais Cecilia Retamoza e Bruna Belmont? E como foi o processo das filmagens de Estrangeiro?
Todas as sugestões do elenco partiram da minha amiga e atriz Jamila Facury. Jamila, na verdade, foi a minha guia e a minha salvação enquanto diretor de primeira viagem. Por minha pouca experiência com artes cênicas, Jamila foi a ponte para comunicar-me com todo o elenco. E Jamila se doou como jamais esperaria que alguém se doasse na preparação do elenco, incluindo as crianças. Tanta devoção me fez escrever, em um dos últimos tratamentos do roteiro, um novo núcleo para que ela pudesse atuar em uma participação especial.
Cecilia e Bruna foram escolhas que partiram das recomendações de Jamila, mas ambas passaram por processos distintos de preparação. Cecilia é uma atriz formada, Bruna teve uma breve experiência com teatro. Enquanto trabalhávamos em Cecilia o controle da energia e expansão corporal, muito presentes no teatro, tratávamos antes de desconstruir Bruna para que se sentisse segura diante da câmera.
Foram meses de encontros, releituras de roteiro, vivências e exercícios de improvisação parar criar uma genuína intimidade entre duas amigas de infância. Cecilia e Bruna já se conheciam, mas o filme as aproximou de modo muito mais intenso e todo este trabalho foi percebido no set. Nos últimos meses de gravações (as filmagens levaram 14 meses, de abril de 2016 à junho de 2017) eu já não precisava dirigir elas. Cecilia e Bruna entendia muito bem suas personagens e sabiam exatamente o que fazer, o que falar e para onde olhar. Perceber na tela o resultado deste trabalho é sempre uma sensação incrível.
Como foi o processo das filmagens?
O processo de filmagem foi uma aventura, pois eu optei por caminhos difíceis e até duvidosos para um primeiro filme. Eu gravei bastante, com muita liberdade e, por vezes, sem seguir estritamente o roteiro (Malick). Algo que assustou a equipe. O pessoal já se perguntava o que eu estava fazendo, preocupados com um filme que captara R$ 4 mil de financiamento coletivo. Será que eu estava desperdiçando todo este dinheiro dando ouvido às minhas loucuras? Eu também tive este medo, mas percebi que este medo é comum em todo diretor que persegue uma visão estética. Foi um exercício de confiança.
Quanto custou essa produção ? E quais festivais o filme já foi exibido? Há previsão dele entrar em circuito comercial?
Em 2015, quando tudo começou, realizamos uma campanha de financiamento coletivo nas redes sociais. A escolha pelo crowdfunding partiu, sobretudo, de uma urgência em fazer cinema. Não tínhamos experiência, muito menos portfólio e não queríamos esperar meses ou até anos para financiar um projeto via edital público.
Conseguimos uma quantia aproximada de R$ 4 mil que foi destinada para o aluguel de locações, transporte e alimentação da equipe e elenco. Claro que este valor não foi o suficiente. Com a ajuda da minha família, de alguns trabalhos que eu fiz e de todos que participaram, consegui terminar o filme. Depois de um tempo de produção, eu já não fazia as contas do que eu estava gastando, mas acredito que o filme deva ter custado entre 10 e R$ 15 mil reais.
O resultado superou nossas expectativas e só percebemos isso quando começamos a ver a seleção do filme em festivais de cinema nacionais e internacionais. A primeira exibição (ainda em um corte não finalizado) ocorreu em abril de 2018, na Mostra do Filme Livre, um festival dedicado ao cinema independente, que neste ano aconteceu em três capitais: Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
O filme também faturou prêmios como Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Fotografia no Festival de Cinema de Pedra Azul, no Espírito Santo; Melhor Fotografia no Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro, na Paraíba; e Melhor Atriz, Ator, Direção de Arte e Trilha Sonora no Festival Audiovisual Comunicurtas, também na Paraíba.
Internacionalmente, os principais prêmios vieram do Festival de Cinema de Guayaquil, no Equador, com a Iguana Dourada de Melhor Filme e Melhor Fotografia. Estrangeiro já foi exibido no Chile, Portugal, Espanha, Rússia, México, França, Reino Unido e São Tomé e Príncipe.
Em 2019, Estrangeiro segue nos circuitos de festivais ao passo que planejamos um lançamento em salas comerciais e distribuição em serviços de VOD e/ou streaming.
Chamou-me a atenção duas coisas no filme: a fotografia e a trilha sonora. Como foi lidar com três profissionais diferentes na direção de fotografia e dois na composição da trilha?
Muito do processo de produção de Estrangeiro foi a partir da descoberta. Estávamos todos descobrindo o fazer cinema. Eu tive a sorte de trabalhar com pessoas maravilhosas e muito profissionais, estudantes que entendiam as dificuldades do ofício e, mais importante, sabiam ouvir. Esta sintonia foi fundamental. Nós entendíamos os nossos limites e entendíamos que, para alcançar um resultado melhor, às vezes, é preciso somar. E neste sentindo, não trabalhamos com hierarquias, todos eram peças importantes que podiam contribuir de igual modo. Assim, na hora do set, os diretores de fotografia também eram assistentes e vice-versa.
O mesmo valeu para a trilha sonora. Luã Brito foi o meu primeiro nome e entendendo suas limitações diante de um orçamento tão baixo, convidou Felipe Lins para ajudá-lo. Luã é um ótimo intérprete e ensaísta, Felipe tem o dom de composição.
A canção original Estrangeira foi interpretada pelos artistas Erick de Almeida e Marta Sanchís Clemente. Marta é uma estrangeira que vive em João Pessoa há alguns anos. Eu a convidei muito por esta troca cultural. Erick eu conheci por Cecilia Retamoza. Ambos compraram a ideia e mergulharam no filme. A letra foi composta após Erick e Marta após assistirem ao primeiro corte. Ele ficou responsável pela parte em português e ela pela parte em espanhol.
Como você avalia a produção cinematográfica paraibana hoje e a produção brasileira?
Sendo bastante sincero, eu considero cedo avaliar ou montar um panorama do cinema paraibano com os recentes lançamentos de longas-metragens do estado. Temos uma tradição cinematográfica de décadas, sobretudo no documentário com Aruanda de Linduarte Noronha, mas a Paraíba nunca foi um celeiro de produção audiovisual. Mas, claro, tenho esperanças que estes novos filmes representem a dita “aurora” de um novo cinema e que mantenhamos nos próximos anos as políticas de incentivo com editais que nos possibilitem explorar a sétima arte e trabalhar na área com tranquilidade.
Quais os seus filmes de cabeceira?
Confesso que não tenho filmes prediletos, mas entre a filmografia de Malick, tenho um carinho especial por Além da Linha Vermelha. É um filme que fala do ser humano com uma visão de mundo que muito me identifico. Por esta identificação que me aproximei do diretor e sua estética.
Quais seus projetos futuros? Já tem algo encaminhado para 2019?
Eu estou trabalhando em alguns roteiros. Depois de Estrangeiro, que considero um filme pessoal e intimista, tenho vontade de trabalhar temas sociais e urgentes. Estrangeiro é um filme muito feminino, tenho agora vontade de explorar o masculino.